Olhei pela ultima vez o quarto que por 18 anos me acolheu.
Bons momentos passei ali. Muitas lágrimas a escuridão dele abrigou.
O choro sufocado por horas a fio que somente suas paredes conheceram.
A janela que dá para a rua, o cabideiro com algumas peças que optei por deixar, a coleção de anjos no rack desfalcada - sem o primeiro "Rafael", a cama arrumada, no guarda roupa coisas que um dia voltarei para buscar, o computador sendo desligado pela ultima vez.
A coleção de livros que tirei do armário, no dia anterior quando todos estavam no trabalho, agora organizada da melhor maneira possível na mala maior.
Roupas? Não levarei todas, mas o necessário para me manter por uma semana ou duas.
A caixa de recordações está na mala, não poderia de forma alguma deixá-la para trás. Nela levo fotos e lembranças de todos que me são queridos, a última adicionada foi a foto de meu querido pai.
É muito difícil deixá-lo, sei que ele não vai entender, mas devo fazer o que é preciso.
Deixei uma carta sobre a mesa. Ele a verá assim que chegar em casa. Chorará eu sei, assim como eu também estarei chorando quando minha mente retratar a imagem.
Ela não está em casa, só retornará de sua viagem na segunda-feira. Não imagino como possa reagir. Talvez retorne no domingo, assim que papai entrar em contato com ela.
Não deixo pistas de meu destino.
Vou com o coração na mão, mas tenho pressa.
Saio do quarto, deixo as malas na porta.
Olho agora o quintal. O sol está se pondo. Quantas brincadeiras ficaram ali. Agora não resta muito das arvores que outrora ali jaziam. Só o pé de goiaba, o de manga e o de mamão. A casa dos fundos está vazia, os inquilinos ainda não chegaram do trabalho.
Confiro os cadeados. Fecho a porta da cozinha.
Levarei a chave de casa. Não quero romper o laço que temos de uma só vez.
Tudo pronto. O táxi acaba de chegar.
É véspera de feriado, minha saída não parecerá uma fuga.
Digo adeus aos cômodos que sempre me protegeram.
Fecho a porta e o portão.
São 18h.
Entro no táxi e por sua janela vejo a cidade passar.
Meu bairro querido, as casas de meus amigos, o terminal, a estação de trem, a rodoviária, a universidade.
Chegamos por fim ao aeroporto. Um frio e um medo me consomem. Não posso desistir.
Queria que ele estivesse aqui comigo. Meu amigo que sempre me amparou nas horas difíceis. Não pude ao menos lhe dizer adeus. Se o fizesse ele tentaria me persuadir a não partir.
Tantas pessoas por perto e tudo o que eu sinto é solidão.
Cheguei praticamente na hora do embarque. Não queria ter tempo para pensar em desistir.
Faço o check-in e me dirijo ao salão de embarque. Agora não tem mais volta, em meia hora partirei.
Um novo estado, uma nova cidade, uma nova vida.
Isolada do mundo que conheço, mas aprendendo a caminhar com minhas próprias pernas e evitando dores de cabeça àquela que sempre me culpou por todos os seus tormentos.
Olho pela vidraça. Muitos aviões ali se preparam para partir e muitos chegam.
Vejo reencontro de famílias e despedidas.
Queria que tudo pudesse ser diferente e eles estivessem aqui para me dizer adeus.
Queria poder abraçá-los e dizer o quanto os amo e o quanto são importante para mim.
Me lembro de meu "filho". Meu bebê amado. Perderei parte de seu crescimento agora. Mais do que já perdi nesses 6 anos. Quando o verei novamente? Provavelmente já será um homem.
Espero que ele não me esqueça. O amo com todo o meu coração. Ele não saiu de minhas entranhas, mas é como se pertencesse a mim de alguma forma.
Meu coração aperta. Não verei mais o meu mais novo salvador. Aquele com quem compartilho os melhores momentos do meu dia e as madrugadas.
Espero que ele possa me perdoar por isso. Perdoar-me por ter mentido.
Ele não me deixaria ir.
A chamada de embarque começa. De passagem em mãos entro na fila.
Passagem conferida, sigo para o avião. Em 15 minutos levantaremos vôo.
Procuro meu acento. Janela, com toda certeza. Me ajeito e ponho o cinto.
Os passageiros seguem com o embarque. 10 minutos mais tarde, as portas se fecham.
Tudo pronto, vamos partir. O comandante nos dá as boas-vindas.
O avião é puxado para trás. Nos encaminhamos para a pista.
Sinto o famoso frio na barriga. Estamos subindo.
Olho pela janela, o céu coroado de estrelas.
Faço um pedido a Lua:
- Que todos possam me perdoar por isso e que tudo dê certo.
Fecho os olhos. Serão algumas horas de viagem até meu destino.
Um sono tranqüilo se apossa de mim. Mesmo com o coração em pedaços, a coragem não me deixa desanimar.
Agora só me resta lutar e acreditar.
Continua em:
Minha nova vida
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